PARA QUANDO AULAS  DE EDUCAÇÃO FINANCEIRA NAS… LIXEIRAS?

Perto de 25% dos angolanos dominam conceitos financeiros, maioritariamente mulheres e nas zonas urbanas, revela o Inquérito de Literacia Financeira (ILF), divulgado hoje pelo Instituto Nacional de Estatística, que indica também que pouco menos de 32% possuem conta bancária. Falta saber se os 20 milhões de pobres foram inquiridos. Mas estes são irrelevantes para o efeito, desde logo porque o INE não sabe se esses cidadãos são… angolanos.

O inquérito realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), cujos resultados foram hoje apresentados, iniciou-se em Fevereiro de 2022, tendo a recolha dos dados durado quatro meses, com entrevistas a 35.190 famílias, das quais 26.000 de zonas urbanas.

Segundo os dados divulgados pelo INE, a percentagem de angolanos que dominam conceitos financeiros é de 24,7%, maioritariamente mulheres (55,1%) e nas zonas urbanas (62,2%).

O documento revela que pouco menos de 32% da população com 15 ou mais anos de idade, que corresponde a 5,6 milhões de indivíduos, possui uma conta bancária, dos quais cerca de 84% possui um cartão de débito (multicaixa) activo, que utiliza para pagamentos.

“Dos cerca de 68% que não possuem conta bancária apresentaram como principal razão a falta de rendimento que justifique a abertura de conta”, indica o estudo, salientando que entre os que não têm conta bancária cerca de 68% encontravam-se empregados, 25% desempregados e 7% inactivos.

A segunda razão apresentada pelos que não possuem conta bancária é a falta de documentos (12,4%), seguindo-se a falta de uma agência bancária próxima (7,1%), não ver benefícios nenhuns (5,2%), não confiar em bancos (1,2%) e não ter um agente bancário próximo (1,0%).

Em relação aos que possuem contas bancárias, 56% utilizam-nas apenas uma vez por mês, 16% duas a três vezes por semana e 14% uma vez por semana.

Relativamente aos utentes de cartão multicaixa, 83,8% faz uso deste instrumento, enquanto 4,2% não o utiliza e 12% não tem.

Sobre os hábitos de poupança e planeamento da reforma, o inquérito mostra que, da população com mais de 15 anos, cerca de 5% alguma vez procurou conselhos jurídicos para resolver assuntos relacionados com a sua conta bancária e, destes, “81% declararam evasão de dinheiro na sua conta sem o seu conhecimento ou consentimento, como principal motivo da procura por conselhos”.

Apenas 4% da população com 15 ou mais anos tem seguro, cerca de 56% tem conhecimentos sobre poupança e 36% faz poupança, dos quais 54% o faz mensalmente.

A maioria dos inquiridos (73%) ainda prefere guardar as suas poupanças em casa e 35% aplica-as num produto bancário, sendo que cerca de 37% do público-alvo já ouviu falar sobre a reforma ou pensão de velhice, e destes apenas 18% possuem um plano de reforma.

No que se refere a investimento bancário e escolha de produtos financeiros, 20% da população tem conhecimento deste tema, mas apenas 2% faz uso deles.

“Destes, 83% faz recurso aos seus respectivos depósitos a prazo como produto financeiro de investimento”, indica o documento, acrescentando que cerca de um terço (33%) da população afirmou ter conhecimento sobre juros.

No seu discurso de abertura, o director-geral do INE, José Calengi, disse que os resultados serão importantes para a formulação e correcção de políticas no sector financeiro e no bancário, em particular.

Já a administradora executiva do Banco Nacional de Angola (BNA), Marília Poças, referiu que o banco central realizou já mais de 1.200 acções de formação de literacia financeira, de 2021 até à data, que beneficiaram mais de 62.400 pessoas.

“Contudo, os resultados apresentados mostram-nos que o caminho que ainda temos que percorrer é desafiante e há urgência em reforçar as nossas acções”, disse Marília Poças, adiantando que o Despacho Presidencial 201/2023, de 25 de agosto, criou a Comissão de Coordenação da Estratégia Nacional de Inclusão Financeira.

A comissão está incumbida de elaborar a Estratégia Nacional de Inclusão Financeira, documento que visa estabelecer, promover e monitorar sistematicamente os níveis de inclusão financeira no país.

COM INCLUSÃO FINANCEIRA A FOME SABE A CAVIAR

Recorde-se que a ministra das Finanças, Vera Daves de Sousa, realçou no dia 29 de Junho, em Luanda, os “sérios desafios” de inclusão financeira nas zonas rurais e para as mulheres, com percentagens altas de exclusão nessas duas categorias, segundo uma pesquisa efectuada sobre o assunto.

Seria mesmo necessário fazer uma pesquisa para esse efeito. Não bastaria ao MPLA fazer o que nunca fez, ou seja, conhecer o país… real?

Vera Daves de Sousa disse, em declarações à imprensa, no final da conferência “Inclusão Financeira em Angola — Desafios e Oportunidades”, organizada pelo Banco Nacional de Angola (BNA), que os resultados da pesquisa demonstram que ainda há “bastante trabalho a fazer”. Uau! É obra!

“Relativamente às zonas urbanas não estamos mal, mas estamos com sérios desafios relativamente às zonas rurais e também se formos numa perspectiva de género, junto das mulheres. Temos aqui muito trabalho a ser endereçado não só pelo BNA, mas por todas as instituições que participam e que têm um papel no sistema financeiro”, sublinhou a ministra.

O Inquérito FinScope Consumer Angola 2022 sobre o estado da inclusão financeira angolana no ano passado, efectuado pela FinMark Trust, revelou que as pessoas com maior inclusão financeira estão nas áreas urbanas (48%) e que a maioria das mulheres são financeiramente excluídas (60%), bem como os indivíduos que dependem da agricultura (70%), do trabalho por conta própria (54%) e dos biscates (68%).

O estudo também não tem nenhuma rubrica relativa à exclusão (ou não) dos 20 milhões de pobres, ou da multidão de angolanos se alimentam nas lixeiras, ou ainda dos cinco milhões de crianças que estão fora do sistema escolar do país.

Segundo Vera Daves de Sousa, o Governo tem um papel a fazer, através dos seus programas, para conseguir aumentar os níveis de inclusão financeira. É claro, dizemos nós, que o governo (do MPLA) ainda não teve tempo para resolver esse problema. De facto, reconheça-se, estar no Poder só há 48 anos é muito pouco tempo…

“Saímos daqui com um diagnóstico claro, com recomendações claras, o que temos que fazer agora é, de forma coordenada, concertada e alinhada, endereçarmos esses desafios de exclusão financeira e de baixos níveis de saúde financeira por parte dos angolanos”, destacou a ministra. Será, na verdade, muito bom educar financeiramente todos aqueles angolanos que, actualmente, nem sequer sabem o que é uma… refeição.

Dara Castelo, da FinMark Trust, que apresentou o estudo destacou que Luanda, talvez por ser a capital, tem a maior taxa de inclusão financeira (58%), do que nas restantes províncias do país onde “o típico é a exclusão financeira”.

Exclusão financeira, exclusão de saúde, de habitação, de emprego, de escolaridade, de comida, de dignidade, de… de… de… .

“Ao nível regional, olhando para os países da SADC [Comunidade de Desenvolvimento da África Austral] Angola tem a menor taxa de inclusão financeira”, acrescentou Dara Castelo, certamente soltando uma ligeira eructação (arroto) a mandioca. Perdão, a lagosta!

De acordo com Dara Castelo, a maioria dos financeiramente incluídos usam apenas um produto financeiro, “o que sugere que há pouca profundidade mesmo na taxa de inclusão, que pode haver uma falta de oferta de produtos adaptados a todas as suas necessidades diferentes do dia-a-dia”.

Relativamente à acessibilidade, considera-se que os serviços financeiros digitais, como pagamentos móveis e outros, promovem a inclusão financeira, principalmente porque reduzem as barreiras de acesso.

Embora 72% de todos os inquiridos tenham acesso a um telemóvel, a penetração dos pagamentos móveis é muito baixa, sendo que apenas 6% dos entrevistados têm contas registadas.

“O que aponta uma enorme oportunidade para alargar a inclusão financeira através dos móveis”, considerando que não se pode “replicar as barreiras que existem nos produtos tradicionais e a tecnologia acessível à maior parte da população, que não são ‘smartphones’”.

Relativamente a poupanças e investimentos, o inquérito revela que 75% não poupam e entre os que o fazem “há uma dependência em mecanismos informais”, nomeadamente guardar dinheiro em casa.

O consumo de crédito é baixo, de acordo com o documento, “um pouco mais pronunciado entre os funcionários públicos”, sendo a preferência predominante procurar empréstimos entre familiares e amigos.

O estudo deixa algumas recomendações, nomeadamente para o sector público, no sentido de elaborar uma Estratégia Nacional de Educação Financeira que complemente a política de inclusão financeira, com foco em competências digitais e para o BNA que continue a dar prioridade à educação financeira do consumidor através do programa de literacia financeira e digital, entre outras.

A pesquisa teve como objectivos descrever os níveis de inclusão financeira, de uso e acesso aos produtos financeiros, formais e informais, os tipos de produtos e serviços usados pelos indivíduos financeiramente incluídos, identificar os facilitadores e as barreiras para o uso de produtos e serviços financeiros e avaliar as tendências ao longo do tempo.

Folha 8 com Lusa

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